*Por Embrapa Agropecuária Oeste
Foto: Sílvia Z. Borges
“Levando-se em consideração que um milhão de hectares seja recuperado, a região terá um incremento na produção de R$ 2,415 bilhões/ano. Sem falar dos benefícios sociais e ambientais que isso gera”, analisa Júlio Cesar Salton, da Embrapa Agropecuária Oeste, se referindo também aos ganhos ambientais de proteger os solos melhorando sua qualidade e contribuindo para a mitigação da emissão de gases de efeito estufa. Esses cálculos não levam em conta os incentivos fiscais que os produtores terão do governo estadual com o recém-lançado Programa de Recuperação de Pastagens Degradadas para Mato Grosso do Sul, o “Terra Boa”.
Produção superior à de solos propícios
Já no primeiro ano de implantação do Sistema São Mateus, a fazenda que deu nome ao sistema teve rendimento de aproximamente 40 sacas por hectare (sc/ha), em uma área inicial de 150 hectares. “Isso foi suficiente para pagar os gastos com a implantação do sistema, como insumos para correção química do solo, aquisição de sementes de pastagens adequadas ao solo arenoso e de sementes de soja”, conta Mateus Arantes, um dos administradores da São Matheus. “Nessa última safra de soja [2015/2016], conseguimos 62 sc/ha em uma área de 600 hectares e isso não significa que não podemos melhorar esses números”, completa.
Para se ter uma ideia de quanto esses valores são positivos, em áreas onde o solo é mais argiloso, propício para o cultivo da soja em Mato Grosso do Sul, o rendimento médio da soja é de 52 sc/ha. É importante frisar que neste ano essa média dificilmente será alcançada por causa do excesso de chuvas provocado pelo fenômeno El Niño.
Produção de carne mais do que triplicou
Os números da produção de carne na Fazenda São Matheus também impressionam. A média de produção de carne antes do SSMateus ficava entre sete e oito arrobas de carne/ha/ano. Esse número saltou para uma média de 25 arrobas de carne/ha/ano. A média de precocidade para o abate de 70% das novilhas reduziu cerca de dez meses. A lotação é de seis cabeças/ha na época das águas, e de 2,5 cabeças/ha na época da seca. “Por opção da Fazenda, não damos suplementação ao gado e não criamos gado confinado”, afirma Arantes.
Tradicionalmente, os outros modelos de ILP iniciam a sequência de rotação pela agricultura, para depois incorporar a pastagem. No Sistema São Mateus, a sequência começa pela pastagem (pasto-soja). Com o início pelo pasto, após a correção química do solo, haverá tempo suficiente para os corretivos reagirem, para o sistema radicular da pastagem construir uma estrutura de solo favorável à manutenção de umidade e o pasto formar palha necessária para o Plantio Direto da soja.
O Sistema São Mateus foi desenvolvido há oito anos em uma Unidade de Referência Tecnológica (URT) da Embrapa junto com a Fazenda São Matheus e hoje é uma tecnologia consolidada para as áreas da região do Bolsão, onde atualmente predominam a pecuária e a silvicultura. Participaram do desenvolvimento dois centros de pesquisa da Embrapa: Agropecuária Oeste e Gado de Corte.
A tecnologia, que introduziu o componente soja no sistema, foi aperfeiçoada levando-se em conta não somente os solos arenosos (pobres em nutrientes e com menor capacidade de reter a água da chuva no solo), mas a distribuição irregular das chuvas ao longo do ano na região com veranicos no período chuvoso.
Como funciona
No primeiro ano de implantação do SSMateus, é feita a correção química e física do solo para entrar a pastagem. Após um ano, o pasto reformado é dessecado para a entrada da primeira safra de soja. A pastagem de boa qualidade produz palhada com um sistema radicular mais profundo. “Isso possibilita formar um reservatório de água da chuva, porque o solo está com uma nova estrutura que permite armazenar essa água.
Nesse ambiente, a soja tem uma boa chance de produzir. Em média, a produtividade no SSMateus foi de 42,8 sacas por hectare”, diz Júlio Cesar Salton, pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste. Contudo deve-se lembrar que este ano a produtividade da fazenda foi de 62 sc/ha, conforme Mateus Arantes. Após a recuperação, a rotação é feita com ciclos sucessivos de um ano de soja e dois de pastagem.
A fim de comparar com o plantio tradicional na mesma URT, foi montado um experimento paralelo com o cultivo de soja convencional, sem pastagem. Nos chamados veranicos (período de estiagem durante a estação chuvosa), houve quebra em quase todas as safras de soja. Já nas áreas com a integração, todas as safras produziram grãos, mesmo em períodos com pouca oferta de chuva para o enchimento dos grãos.
Menos gases de efeito estufa
Estudos da pesquisadora Michely Tomazi, da Embrapa Agropecuária Oeste, mostram que é possível reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) com a implantação da ILP. As principais fontes de emissão desses gases na lavoura são o revolvimento do solo, a adubação nitrogenada, falta de cobertura no solo e erosão. Na pecuária, campos degradados geram pastagens de má qualidade, baixo ganho de peso animal, baixa produção de leite, queima das pastagens e também erosão do solo.
Com a integração lavoura-pecuária, há maior acúmulo de carbono no solo, menor tempo de abate e redução no uso de insumos externos (adubos, combustível, sal mineral, pesticidas…), o que resulta em menores emissões dos GEEs.
Outros benefícios do SSMateus são redução de perdas por erosão, maior infiltração e armazenamento da água das chuvas no solo, eliminação do alumínio tóxico no perfil do solo, melhoria na estrutura física do solo, redução de perdas de água por evaporação e maior capacidade das plantas em absorver água do solo em profundidade e maior desenvolvimento do sistema radicular das plantas.
Menos plantas daninhas
Para este modelo de ILP, em que os solos apresentam baixa quantidade de argila, a pastagem mais adequada é a Brachiaria brizantha (na área de experimento da Embrapa, foi escolhida área com 9% de argila somente). Para solos melhores, o pesquisador Ademir Zimmer, da Embrapa Gado de Corte, indica também forrageiras do gênero Panicum.
Com o incremento na matéria orgânica e o aumento na profundidade do sistema radicular nos solos arenosos, a produção de pasto é de melhor qualidade. “Depois que a soja estiver no sistema, a pastagem que vem em seguida vai se beneficiar da soja, tornando-se um pasto muito mais produtivo”.
Zimmer ressalta outro ponto positivo do manejo da pastagem dentro do Sistema São Mateus. “Observamos a redução de 80% a 90% de plantas daninhas em locais onde há braquiária. No caso das doenças, uma pastagem de qualidade quebra o ciclo de verminoses e carrapatos. Outro ponto importante é que ao colocar o boi para pastejar temos melhores resultados, porque isso favorece a produção dos grãos de soja cultivados na sequência, além de reduzir os insumos na dessecação. Tudo isso ajuda tanto no equilíbrio ambiental, como também na redução dos custos de produção”, explica o pesquisador.
Mas por que a soja e não outra cultura? O pesquisador Rodrigo Arroyo explica que o primeiro benefício é que a oleaginosa possui uma boa rentabilidade econômica e dispõe de infraestrtura para comercialização em diversas regiões. “Segundo, é que a soja deixa resíduos de adubos e nitrogênio no solo, de forma gratuita, que serão aproveitados pela pastagem. E a pastagem possui uma demanda alta por nitrogênio. Existe também bastante tecnologia desenvolvida para a soja com diversas opções de cultivares. Tudo isso facilita o manejo”, afirma Arroyo.
Incentivo tributário
Um projeto da Secretaria de Produção e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul (Sepaf), com duração prevista de cinco anos, dará isenção de 33,34% do ICMS incidente sobre a produção incremental de carne advinda de exploração de áreas de pastagens recuperadas e isenção de 50% do ICMS incidente sobre a produção de grãos comercializada também de áreas recuperadas − as isenções serão referentes à exploração de áreas de pastagens recuperadas por meio da integração lavoura-pecuária (ILP) e integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) neste período de cinco anos.
No Brasil, os sistemas de integração são incentivados também pela Rede de Fomento à ILPF formada pela Embrapa e companhias privadas: John Deere, Cocamar, Dow AgroSciences, Parker e Syngenta. Ela foi criada com o objetivo de transferir tecnologias para instituições de assistência técnica e de extensão rural, consultores, produtores rurais, escolas técnicas e universidades em todas as regiões do Brasil.