*Da EMBRAPA
Estudo realizado pelo Projeto Observatório ABC (Agricultura de Baixo Carbono) revelou que o Brasil tem um potencial de mitigar a emissão de gases de efeito estufa nas atividades agropecuárias. Se apenas três tecnologias de mitigação geradas pela pesquisa e já disponíveis forem adotadas, o País potencialmente pode promover até 2023 uma redução mais de dez vezes maior do que a meta estipulada pelo Plano ABC do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O plano foi originalmente idealizado para recuperar 15 milhões de hectares degradados, mas poderia ser estendido a 60 milhões de hectares.
Se o País recuperar pastagens e promover integração lavoura-pecuária ou integração lavoura-pecuária-floresta, deixariam de ser lançadas na atmosfera 1,8 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, que são todos os gases de efeito estufa produzidos na atividade medidos em comparação aos efeitos do gás carbônico. “Esse é um cálculo conservador, pois desconsidera outras tecnologias preconizadas pelo Plano ABC e abarca apenas os municípios brasileiros com pastagens degradas”, declara o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa Informática Agropecuária (SP) coordenador do estudo intitulado “Invertendo o sinal de carbono da agropecuária brasileira” do Observatório ABC.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores estimaram as emissões da agropecuária brasileira caso não houvesse a adoção das tecnologias e usaram estimativas de crescimento do setor elaboradas pelo Mapa e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Nesse cenário hipotético, o Brasil chegaria a 2023 com um saldo de 3,62 bilhões de toneladas de CO2 equivalente. A boa notícia é que se somente as três tecnologias consideradas forem empregadas, todas as regiões brasileiras irão neutralizar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no campo e ainda armazenariam um adicional de carbono no solo.
O trabalho considerou a pecuária bovina e sete culturas agrícolas: arroz, milho, trigo, cana-de-açúcar, feijão, algodão e pastagem. A pecuária é o maior emissor de GEEs e, entre as espécies agrícolas, a cultura do milho é a que mais produz esses gases seguida pela cana-de-açúcar, arroz, feijão e algodão. A soja, maior produto de exportação agrícola brasileiro, não apresentou emissões significativas por utilizar fixação biológica de nitrogênio (FBN) o que dispensa a aplicação de fertilizantes nitrogenados, principal fonte de emissão direta de GEE para essa lavoura.
Mais gado, menos gases
A mitigação promovida seria especialmente interessante no setor pecuário. Com a recuperação de pastos, de acordo com o documento, poderá haver um adicional de 0,75 unidade animal por hectare. Em 39 milhões de hectares, esse adicional será de 29,3 milhões de bovinos. “Essas cabeças adicionais teriam suas emissões neutralizadas e haveria ainda a vantagem de estocar mais carbono no sistema sem a abertura de novas áreas, é o chamado efeito poupa-terra”, explica Assad. Ou seja, tecnologias como a recuperação de pastagens, além de colaborar para a mitigação dos GEEs também permitem o aumento da produção.
Outra pesquisa da Embrapa mostrou que o Brasil pode dobrar a área de suas plantações de grãos, atualmente com 55 milhões de hectares, e aumentar a lotação de seus pastos sem precisar abrir novas áreas agrícolas. O salto produtivo tem sido observado em propriedades que adotaram técnicas de sistemas de produção que associam a criação de gado à agricultura conhecidos pela sigla ILP (integração lavoura-pecuária).
“A recuperação dessas áreas representará um salto econômico e social, pois atingirá milhares de famílias que vivem no campo”, aposta o pesquisador João Kluthcousky, da Embrapa Cerrados (DF). O pesquisador conta que a degradação veio do costume original do uso do campo no Brasil: o produtor abria a área para o gado, usava até exauri-la e depois abria outra área, e assim sucessivamente, deixando milhares de hectares de pastos degradados para trás.
Essa característica extrativista é típica do modelo de sistema extensivo de produção adotado na pecuária de corte brasileira, segundo lembra o entomologista José Raul Valério, pesquisador da Embrapa Gado de Corte (MS). Ele explica que as pastagens são a base da alimentação dos rebanhos e, por sua vez, são culturas de baixo valor por unidade de área, o que limita a adoção de medidas de correção e adubação do solo e até fitossanitárias. Assim, o produtor rural assemelha-se a um garimpeiro. “Após o desmatamento, a pastagem recém-aberta conta com a fertilidade natural do solo e raramente é adubada”, conta o pesquisador.
A pastagem degradada geralmente sofre com a presença de insetos-praga, possui terra descoberta ou com pouca cobertura vegetal e incidência de doenças e plantas invasoras. Todos esses sintomas, no entanto, são uma parte pequena frente ao quadro geral da degradação, o que levou o pesquisador a construir uma analogia com a figura de um iceberg. “Esses sintomas não são a essência do problema que está sob o nível do solo e, por isso, é menos visível”, pontua. O solo nesse estado é mais compactado (duro). Esse componente físico alia-se a fatores químicos como a baixa fertilidade e queda no vigor, na produtividade e na qualidade do solo. Valério acredita que mais do que gerar novas tecnologias, é necessário implementar as já existentes.
Por essas razões, os pesquisadores mostram que a recuperação dos pastos degradados, além de promover benefícios ambientais, pode dar um impulso importante à pecuária bovina. “A carne produzida a pasto no Brasil é majoritariamente oriunda de pastagens e muito pouco complementada por grãos, como na Europa e Estados Unidos, na qual a produção se dá primordialmente em confinamentos. Trata-se de uma carne que não oferece riscos à segurança alimentar, se vista pelo ângulo da competição com os humanos, e uma das mais baratas e competitivas do mundo”, afirma do pesquisador Manuel Macedo, da Embrapa Gado de Corte. Essa competitividade, segundo ele, já provoca reações do mercado mundial. “Há muita gente preocupada com nosso papel crescente nesse mercado mundial, no qual tem-se criado dificuldades por meio de barreiras sanitárias, por vezes exageradas, e outros óbices, como acusações de grandes emissões de gases do efeito estufa pela nossa pecuária, exagerado consumo de água, entre outros”, afirma Macedo que também defende a ampla transferência das tecnologias envolvidas na recuperação.
Integração lavoura-pecuária (ILP)
Em fazendas do oeste paulista e oeste paranaense, alternar dois anos de plantio de soja seguidos de dois anos de capim permitiu quintuplicar o número de animais no pasto. Além disso, o custo de produção por arroba caiu da faixa entre R$70 e R$100 para um valor entre R$30 e R$50. O segredo está na melhora da qualidade do pasto obtida pela alternância de espécies vegetais. Solos saudáveis produzem forrageiras de melhor qualidade nutricional e em maior volume. Ao se evitar a exaustão do solo a produção de soja também melhora. Vale ressaltar que a pesquisa obteve esses resultados com solos arenosos, um complicador relevante. “São solos considerados difíceis, mas que com o uso da tecnologia se tornam fáceis de manejar”, declara o pesquisador João Kluthcouski, da Embrapa Cerrados.
Um experimento realizado pela Embrapa Agropecuária Oeste (MS) na região conhecida como Bolsão Sul Mato-Grossense, que engloba 16 municípios, chegou a resultados surpreendentes. Os pesquisadores estimam que se fosse adotado um sistema de integração Lavoura Pecuária (ILP) nos moldes do sistema São Mateus, em apenas um terço da área disponível nessa região, que soma um milhão de hectares, haveria incrementos na produção da ordem de 15 milhões de sacos de soja e 12 milhões de arrobas de carne por ano, o que representaria um acréscimo anual superior a R$1,7 bilhão de reais para a região.
São Mateus é um sistema ILP que consiste na antecipação da correção química e física do solo e do cultivo da soja em plantio direto, no qual a o plantio se dá sobre a palha da cultura anterior. Ele reduz os custos de recuperação da pastagem.
Leguminosas no pasto
Plantar feijão guandu associado ao capim braquiária é ótimo para o solo, nutritivo para o animal e excelente para a produtividade. Foi o que demonstraram pesquisas realizadas pela Embrapa Pecuária Sudeste (SP), que recuperaram pastagens e promoveram ganho de peso médio de 51% por animal em comparação à situação anterior. O ganho de peso por hectare também foi maior por safra, 55% na primeira e 170% na segunda safra. A Embrapa desenvolveu a variedade Guandu BRS Mandarim, utilizada no experimento e que consiste numa opção viável aos pequenos produtores, por seu baixo custo de produção e fácil manejo. O guandu ainda serve de alimento ao gado na estação seca.
Além dessas vantagens, o guandu promove a chamada adubação verde. “Por ser uma leguminosa, o guandu fixa nitrogênio nas raízes. Assim, o produtor recupera o pasto sem usar adubação nitrogenada. É uma maneira eficiente e prática de recuperar uma pastagem, gastando menos”, ressalta o pesquisador Rodolfo Godoy, da Embrapa Pecuária Sudeste.
Régua de manejo de pastagem
Saber o momento ideal para colocar ou retirar o gado no pasto sempre foi um problema para os produtores. Para facilitar na tomada de decisão, a Embrapa desenvolveu a régua de manejo de pastagem. Trata-se de um bastão graduado indicando o momento de introduzir ou retirar animais do pasto de acordo com a altura do capim. A graduação varia de acordo com a espécie de forrageira. “O manejo correto varia em função da espécie de capim, da lotação e da época do ano, por isso é um desafio para o pecuarista”, explica o zootecnista Haroldo Pires de Queiroz, um dos idealizadores da ferramenta.
No pastejo contínuo, a régua mostra se é preciso aumentar ou diminuir a taxa de lotação no campo. No rotacionado, a ferramenta indica quando deve ocorrer a entrada e a retirada de animais. A taxa de lotação mais adequada corresponde àquela que permitir o consumo de toda a forragem entre as alturas de entrada e saída, em um período de um a sete dias.
“Dos 200 milhões de hectares que temos de pastagens no Brasil, 60 a 70 milhões apresentam-se degradados e o superpastejo, quantidade excessiva de animais na área, é o grande responsável por isso”, ressalta Queiroz. Cada capim possui suas características de manejo e o instrumento considera tais características.
*Da Embrapa
Texto: Fabio Reynol (MTb 30.269/SP)
Foto: Danilo de Paula Moreira
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Dalizia Aguiar (MTb 20/03/14/MS)
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