23 out 2015

Para cumprir meta, País precisa ‘precificar’ carbono, sugere estudo

* O Estado de S. Paulo – 22 Outubro 2015

Análise considera US$ 50 a tonelada de CO2; para pesquisadores, Brasil teria mais facilidade em migrar para energias renováveis

co2

SÃO PAULO – Para atingir suas metas de redução de 43% das emissões de gases de efeito estufa até 2030, o Brasil precisa alcançar o desmatamento zero, ter uma agricultura de baixo carbono e considerar que o preço da tonelada de CO2 emitida no setor energético é de US$ 50. Só assim será possível fechar as contas propostas pelo governo.

Esse é o cálculo feito por um grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, liderado por Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético, como parte de um estudo internacional divulgado nesta quinta-feira, 22, que analisou as chamadas INDCs (sigla em inglês para o conjunto de compromissos tendo em vista a Conferência do Clima da Organização ds Nações Unidas, em Paris) de Brasil, China, Japão, Índia, Estados Unidos e União Europeia.

O trabalho analisou quais ações precisam ser tomadas pelos países não só para cumprir as metas apresentadas, mas também para que elas sejam incrementadas com o passar dos anos a fim de que o mundo consiga alcançar a meta de conter o aquecimento do planeta a 2°C.

Na parte brasileira, Schaeffer e equipe levaram em conta as projeções econômicas mais recentes, que indicam recessão do País num primeiro momento, mas retomada do crescimento dentro de alguns anos, para calcular, por exemplo, como a produção agrícola vai se comportar, como será a demanda por energia, transporte, produção de cimento, entre outros dados macroeconômicos.

A partir dessas informações eles fizeram uma modelagem para estimar quanto poderiam ser as emissões de gases de efeito estufa do Brasil em 2030 se não houvesse ações adicionais e, assim, propor ações que precisarão ser tomadas para cumprir a meta apresentada pelo governo.

“Considerando tudo isso, imaginamos que se o Brasil alcançar o desmatamento zero e adotar uma agricultura de baixas emissões, como proposto no Plano ABC(Agricultura de Baixo Carbono), sobra para a energia uma boa fatia de ações para fechar a conta das metas. E isso só será alcançado se o País atribuir um valor ao carbono na hora de optar se vai fazer mais usinas termoelétricas ou migrar para a eólica ou solar, ou se vai trocar o diesel por biocombustíveis no transporte”, diz Schaeffer.

Para ele, esse número é de US$ 50 a tonelada de CO2-equivalente, que considera os impactos causados pelos combustíveis fósseis no aquecimento do planeta. “Estamos falando no custo que a economia teria de estar disposta a pagar pelo carbono, seja em uma taxação propriamente dita ou em uma inversão dos subsídios, senão o sistema não vai mudar o seu perfil”, defende.

De acordo com o pesquisador, há várias maneiras de abordar essa precificação. De um lado, por exemplo, poderia ocorrer um aumento direto no valor dos combustíveis, com a gasolina e o diesel mais caros na bomba. “É uma penalidade pelo carbono que está ali dentro”, diz Schaeffer. Ou o etanol poderia ser subsidiado para ser mais barato, também levando essa taxa do carbono em consideração. O mesmo valeria para as energias renováveis, que poderiam ser subsidiadas tendo essa taxa em mente.

“A pergunta que nos foi feita nesse estudo é: o que o Brasil propõe é possível? A INDC brasileira não diz com todos os detalhes como chegar lá. Nos nossos modelos, esse é um caminho possível. Ao valorar o carbono a US$ 50 a tonelada, o setor se redireciona. Sem isso, o desmatamento zero, e o plano ABC cumprido na íntegra, a conta não vai fechar”, diz.

Resultados globais. A análise das INDCs de Brasil, China, Japão, Índia, Estados Unidos e União Europeia reforça que as metas apresentadas até o momento não são suficientes para segurar o aquecimento em no máximo 2°C, como já foi dito por outros trabalhos, mas é um pouco mais otimista ao opinar que elas trazem uma aceleração sem precedentes e uma consolidação de ação contra as alterações climáticas nas principais economias do mundo.

Conduzido por 14 institutos de pesquisa, o trabalho sugere que as metas poderão servir como um ponto de partida para a transformação profunda rumo a uma economia de baixo carbono caso o Acordo de Paris inclua um mecanismo para fortalecer e ampliar esses compromissos políticos.

O estudo Além dos Números, Entendendo a Transformação Induzida pelas INDCs defende que o acordo pode construir uma ponte entre o que foi proposto agora e os 2°C se estabelecer um mecanismo previsível que incremente as metas com regularidade, sendo o primeiro reforço já em 2020, aumentando a ambição proposta nas INDCs.

Para os autores, neste cenário, um fortalecimento de políticas e compromissos até 2020 reduziria as emissões em mais de 5 Gt CO2 em 2030 em comparação com o nível atual das INDC, permitindo uma trajetória menos onerosa e mais viável rumo aos 2°C. Segundo os pesquisadores, isso permitiria uma redistribuição mais suave do investimento em tecnologias de baixa emissão de carbono e em novas infraestruturas.

Se isso não for pensado já a partir de 2020 e as INDCs seguirem o rumo proposto agora até 2030, depois disso seria necessária uma mudança muito mais brusca para conseguir manter o aquecimento do planeta a no máximo mais 2°C até o final do século.


23 set 2015

Brasil tem tecnologia para reduzir emissões além da meta do Plano ABC

*Da EMBRAPA

gadoEstudo realizado pelo Projeto Observatório ABC (Agricultura de Baixo Carbono) revelou que o Brasil tem um potencial de mitigar a emissão de gases de efeito estufa nas atividades agropecuárias. Se apenas três tecnologias de mitigação geradas pela pesquisa e já disponíveis forem adotadas, o País potencialmente pode promover até 2023 uma redução mais de dez vezes maior do que a meta estipulada pelo Plano ABC do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O plano foi originalmente idealizado para recuperar 15 milhões de hectares degradados, mas poderia ser estendido a 60 milhões de hectares.

Se o País recuperar pastagens e promover integração lavoura-pecuária ou integração lavoura-pecuária-floresta, deixariam de ser lançadas na atmosfera 1,8 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, que são todos os gases de efeito estufa produzidos na atividade medidos em comparação aos efeitos do gás carbônico. “Esse é um cálculo conservador, pois desconsidera outras tecnologias preconizadas pelo Plano ABC e abarca apenas os municípios brasileiros com pastagens degradas”, declara o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa Informática Agropecuária (SP) coordenador do estudo intitulado “Invertendo o sinal de carbono da agropecuária brasileira” do Observatório ABC.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores estimaram as emissões da agropecuária brasileira caso não houvesse a adoção das tecnologias e usaram estimativas de crescimento do setor elaboradas pelo Mapa e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Nesse cenário hipotético, o Brasil chegaria a 2023 com um saldo de 3,62 bilhões de toneladas de CO2 equivalente. A boa notícia é que se somente as três tecnologias consideradas forem empregadas, todas as regiões brasileiras irão neutralizar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no campo e ainda armazenariam um adicional de carbono no solo.

O trabalho considerou a pecuária bovina e sete culturas agrícolas: arroz, milho, trigo, cana-de-açúcar, feijão, algodão e pastagem. A pecuária é o maior emissor de GEEs e, entre as espécies agrícolas, a cultura do milho é a que mais produz esses gases seguida pela cana-de-açúcar, arroz, feijão e algodão. A soja, maior produto de exportação agrícola brasileiro, não apresentou emissões significativas por utilizar fixação biológica de nitrogênio (FBN) o que dispensa a aplicação de fertilizantes nitrogenados, principal fonte de emissão direta de GEE para essa lavoura.

Mais gado, menos gases

A mitigação promovida seria especialmente interessante no setor pecuário. Com a recuperação de pastos, de acordo com o documento, poderá haver um adicional de 0,75 unidade animal por hectare. Em 39 milhões de hectares, esse adicional será de 29,3 milhões de bovinos. “Essas cabeças adicionais teriam suas emissões neutralizadas e haveria ainda a vantagem de estocar mais carbono no sistema sem a abertura de novas áreas, é o chamado efeito poupa-terra”, explica Assad. Ou seja, tecnologias como a recuperação de pastagens, além de colaborar para a mitigação dos GEEs também permitem o aumento da produção.

Outra pesquisa da Embrapa mostrou que o Brasil pode dobrar a área de suas plantações de grãos, atualmente com 55 milhões de hectares, e aumentar a lotação de seus pastos sem precisar abrir novas áreas agrícolas. O salto produtivo tem sido observado em propriedades que adotaram técnicas de sistemas de produção que associam a criação de gado à agricultura conhecidos pela sigla ILP (integração lavoura-pecuária).

“A recuperação dessas áreas representará um salto econômico e social, pois atingirá milhares de famílias que vivem no campo”, aposta o pesquisador João Kluthcousky, da Embrapa Cerrados (DF). O pesquisador conta que a degradação veio do costume original do uso do campo no Brasil: o produtor abria a área para o gado, usava até exauri-la e depois abria outra área, e assim sucessivamente, deixando milhares de hectares de pastos degradados para trás.

Essa característica extrativista é típica do modelo de sistema extensivo de produção adotado na pecuária de corte brasileira, segundo lembra o entomologista José Raul Valério, pesquisador da Embrapa Gado de Corte (MS). Ele explica que as pastagens são a base da alimentação dos rebanhos e, por sua vez, são culturas de baixo valor por unidade de área, o que limita a adoção de medidas de correção e adubação do solo e até fitossanitárias. Assim, o produtor rural assemelha-se a um garimpeiro. “Após o desmatamento, a pastagem recém-aberta conta com a fertilidade natural do solo e raramente é adubada”, conta o pesquisador.

A pastagem degradada geralmente sofre com a presença de insetos-praga, possui terra descoberta ou com pouca cobertura vegetal e incidência de doenças e plantas invasoras. Todos esses sintomas, no entanto, são uma parte pequena frente ao quadro geral da degradação, o que levou o pesquisador a construir uma analogia com a figura de um iceberg. “Esses sintomas não são a essência do problema que está sob o nível do solo e, por isso, é menos visível”, pontua. O solo nesse estado é mais compactado (duro). Esse componente físico alia-se a fatores químicos como a baixa fertilidade e queda no vigor, na produtividade e na qualidade do solo. Valério acredita que mais do que gerar novas tecnologias, é necessário implementar as já existentes.

Por essas razões, os pesquisadores mostram que a recuperação dos pastos degradados, além de promover benefícios ambientais, pode dar um impulso importante à pecuária bovina. “A carne produzida a pasto no Brasil é majoritariamente oriunda de pastagens e muito pouco complementada por grãos, como na Europa e Estados Unidos, na qual a produção se dá primordialmente em confinamentos. Trata-se de uma carne que não oferece riscos à segurança alimentar, se vista pelo ângulo da competição com os humanos, e uma das mais baratas e competitivas do mundo”, afirma do pesquisador Manuel Macedo, da Embrapa Gado de Corte. Essa competitividade, segundo ele, já provoca reações do mercado mundial. “Há muita gente preocupada com nosso papel crescente nesse mercado mundial, no qual tem-se criado dificuldades por meio de barreiras sanitárias, por vezes exageradas, e outros óbices, como acusações de grandes emissões de gases do efeito estufa pela nossa pecuária, exagerado consumo de água, entre outros”, afirma Macedo que também defende a ampla transferência das tecnologias envolvidas na recuperação.

Integração lavoura-pecuária (ILP)

Em fazendas do oeste paulista e oeste paranaense, alternar dois anos de plantio de soja seguidos de dois anos de capim permitiu quintuplicar o número de animais no pasto. Além disso, o custo de produção por arroba caiu da faixa entre R$70 e R$100 para um valor entre R$30 e R$50. O segredo está na melhora da qualidade do pasto obtida pela alternância de espécies vegetais. Solos saudáveis produzem forrageiras de melhor qualidade nutricional e em maior volume. Ao se evitar a exaustão do solo a produção de soja também melhora. Vale ressaltar que a pesquisa obteve esses resultados com solos arenosos, um complicador relevante. “São solos considerados difíceis, mas que com o uso da tecnologia se tornam fáceis de manejar”, declara o pesquisador João Kluthcouski, da Embrapa Cerrados.

Um experimento realizado pela Embrapa Agropecuária Oeste (MS) na região conhecida como Bolsão Sul Mato-Grossense, que engloba 16 municípios, chegou a resultados surpreendentes. Os pesquisadores estimam que se fosse adotado um sistema de integração Lavoura Pecuária (ILP) nos moldes do sistema São Mateus, em apenas um terço da área disponível nessa região, que soma um milhão de hectares, haveria incrementos na produção da ordem de 15 milhões de sacos de soja e 12 milhões de arrobas de carne por ano, o que representaria um acréscimo anual superior a R$1,7 bilhão de reais para a região.

São Mateus é um sistema ILP que consiste na antecipação da correção química e física do solo e do cultivo da soja em plantio direto, no qual a o plantio se dá sobre a palha da cultura anterior. Ele reduz os custos de recuperação da pastagem.

Leguminosas no pasto

Plantar feijão guandu associado ao capim braquiária é ótimo para o solo, nutritivo para o animal e excelente para a produtividade. Foi o que demonstraram pesquisas realizadas pela Embrapa Pecuária Sudeste (SP), que recuperaram pastagens e promoveram ganho de peso médio de 51% por animal em comparação à situação anterior. O ganho de peso por hectare também foi maior por safra, 55% na primeira e 170% na segunda safra. A Embrapa desenvolveu a variedade Guandu BRS Mandarim, utilizada no experimento e que consiste numa opção viável aos pequenos produtores, por seu baixo custo de produção e fácil manejo. O guandu ainda serve de alimento ao gado na estação seca.

Além dessas vantagens, o guandu promove a chamada adubação verde. “Por ser uma leguminosa, o guandu fixa nitrogênio nas raízes. Assim, o produtor recupera o pasto sem usar adubação nitrogenada. É uma maneira eficiente e prática de recuperar uma pastagem, gastando menos”, ressalta o pesquisador Rodolfo Godoy, da Embrapa Pecuária Sudeste.

Régua de manejo de pastagem

Saber o momento ideal para colocar ou retirar o gado no pasto sempre foi um problema para os produtores. Para facilitar na tomada de decisão, a Embrapa desenvolveu a régua de manejo de pastagem. Trata-se de um bastão graduado indicando o momento de introduzir ou retirar animais do pasto de acordo com a altura do capim. A graduação varia de acordo com a espécie de forrageira. “O manejo correto varia em função da espécie de capim, da lotação e da época do ano, por isso é um desafio para o pecuarista”, explica o zootecnista Haroldo Pires de Queiroz, um dos idealizadores da ferramenta.

No pastejo contínuo, a régua mostra se é preciso aumentar ou diminuir a taxa de lotação no campo. No rotacionado, a ferramenta indica quando deve ocorrer a entrada e a retirada de animais. A taxa de lotação mais adequada corresponde àquela que permitir o consumo de toda a forragem entre as alturas de entrada e saída, em um período de um a sete dias.

“Dos 200 milhões de hectares que temos de pastagens no Brasil, 60 a 70 milhões apresentam-se degradados e o superpastejo, quantidade excessiva de animais na área, é o grande responsável por isso”, ressalta Queiroz. Cada capim possui suas características de manejo e o instrumento considera tais características.

*Da Embrapa
Texto: Fabio Reynol (MTb 30.269/SP)
Foto: Danilo de Paula Moreira
Secretaria de Comunicação Embrapa
secom.imprensa@embrapa.br
Dalizia Aguiar (MTb 20/03/14/MS)
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