24 jan 2017

Sistemas agroflorestais ajudam a melhorar microclima da propriedade rural

Por Embrapa Agropecuária Oeste*

Foto: Antonio Weber

Sistemas Agroflorestais Biodiversos, conhecidos como SAFs, proporcionam diferentes benefícios e contribuem com o melhor controle de temperatura, da umidade relativa do ar e da umidade do solo. Por causa disso, a adoção de SAFs proporciona mudanças significativas no microclima de uma propriedade rural. É o que demonstra pesquisa realizada na região Sul do Mato Grosso do Sul pela Embrapa Agropecuária Oeste (MS). Os SAFs reúnem cultivos de espécies de árvores nativas ou exóticas madeiráveis, frutíferas, oleaginosas, medicinais, entre outras, de forma simultânea e no mesmo ambiente.

De acordo com o responsável pelo trabalho, o pesquisador da Embrapa Milton Parron Padovan, a presença de árvores proporcionou melhor controle de temperatura, da umidade relativa do ar e da umidade do solo. O especialista conta que estudos desenvolvidos por diferentes grupos de pesquisa constataram, no horário entre 12h e 15h, diferenças de 2ºC a 15ºC a menos dentro de SAFs em relação a áreas abertas, sem a presença de árvores. “Esses trabalhos também constataram que a umidade do ar oscila menos dentro de SAFs ao longo do dia”, informa Padovan.

Além disso, houve regulação da temperatura do ar, reduzindo sua variação ao longo do dia e, consequentemente, tornando o ambiente mais estável, o que traz benefícios às plantas e aos animais componentes desses sistemas. “Outra vantagem é a proteção que as árvores proporcionam fazendo papel de quebra-ventos”, explica o cientista.

A redução da velocidade do vento é importante para os sistemas produtivos agrícolas, até mesmo para as pastagens, pois os ventos podem prejudicar o crescimento das plantas. A agitação excessiva das folhas prejudica o desenvolvimento sadio da cultura. Essa vantagem pode resultar em incremento do rendimento das culturas agrícolas e das pastagens. Outra alteração causada pela presença das árvores nos SAFs, explica Padovan, ocorre com a temperatura do solo que passa a ser mais estável no sistema. “Dessa forma, a modificação do microclima repercute sobre o balanço hídrico do solo, proporcionando aumento da umidade disponível para as plantas que se encontram cultivadas embaixo das árvores, devido à redução da radiação que chega ao solo”, salienta Padovan.

O trabalho integra o projeto de pesquisa “Sistemas agroflorestais biodiversos: produção de alimentos, geração de renda e recuperação ambiental – Safara – Fase 1”. Para o pesquisador, o estudo deve subsidiar a adoção de SAFs. “Estão sendo gerados dados que subsidiarão o aprimoramento das políticas públicas atuais e ainda contribuirão para a criação de novas que apoiem a implantação de SAFs”, informa Padovan.

O microclima se caracteriza pelas variações climáticas que acontecem numa determinada região de acordo com o tipo de clima predominante. Ele reflete alterações no ambiente natural, feitas pela utilização do solo e do ambiente para fins de desenvolvimento de atividades econômicas, por meio das diversas atividades laborais humanas. O microclima é vulnerável, ou seja, podem ocorrer algumas mudanças que o tornará diferente das características originais do clima de uma determinada região que o cerca. “O microclima é algo bem pontual, se refere a algo localizado numa área bem menor do que em relação ao todo de uma região”, explica o agrometeorologista da Embrapa Agropecuária Oeste, Carlos Ricardo Fietz.

Segundo ele, os resultados finalísticos do projeto previstos devem proporcionar respostas que permitirão desenvolver tecnologias, aprimorar conhecimentos e compartilhá-los envolvendo SAFs para produção de alimentos, geração de renda e produção de serviços ambientais que promovam a recuperação de áreas degradadas. Dentre os resultados esperados, destacam-se: a identificação de composições florísticas de sistemas agroflorestais biodiversos como alternativa para recuperação de áreas degradadas; uso múltiplo de espécies arbustivas e arbóreas, bem como estoque de carbono estocado na parte aérea dessas espécies vegetais; valoração econômica dos serviços ambientais produzidos pelos SAFs. “Esperamos ainda compreender melhor os atributos biológicos (microbiológicos, macrofauna e fauna epigeica) nesses sistemas, compreender ainda as estratégias da dinâmica da decomposição da biomassa foliar e da liberação de nutrientes envolvendo espécies arbóreas nativas, entre outros aspectos que estão sendo pesquisados”, explica o pesquisador.

Experiência comprovada

O produtor rural Antônio Paulo Ribeiro trabalha há nove anos com SAFs em uma propriedade localizada na zona rural de Dourados (MS). Ele cultiva citros e palmito pupunha como espécies principais para geração de renda que são consorciadas com várias outras espécies arbustivas e arbóreas para a melhoria ambiental, produção de alimentos e comercialização dos excedentes da produção. Ele observa que a produção no sistema tem se mantido constante e acredita que isso seja resultado do microclima equilibrado dentro do SAF; “Antes da implantação do SAF, aqui era muito quente. Essas novas temperaturas constantes ao longo do ano também reduziram a incidência de pragas e doenças”, informa Ribeiro.

O produtor rural Antônio Weber trabalha há dez anos com SAFs. Ele conta que há alguns anos cultivava soja e milho, porém resolveu mudar o foco de produção e, atualmente, possui em sua propriedade na zona rural de Dourados um sistema em que cultiva grande variedade de árvores frutíferas, palmito, além de produzir diversos alimentos, como: mandioca, amendoim, gergelim, milho, feijão-de-corda, tomate e cana-de-açúcar para produção de garapa orgânica. Ele conta que o clima da propriedade mudou, e agora é muito mais fresco devido às árvores e que a umidade do solo, em função das palhadas, também melhorou, pois a água permanece mais tempo no solo. “Os SAFs são uma contribuição fantástica para a coletividade. Acredito que estou fazendo a minha parte, que esse sistema produtivo favorece a fauna, a flora e contribui com qualidade de vida de todos, pois tem inúmeros benefícios ambientais. Não me arrependo de ter mudado o sistema produtivo. Ao contrário, hoje sou um incentivador da implantação dos SAFs”, disse o produtor.

Serviços ambientais

Nos SAFs pesquisados, houve aumento expressivo da diversidade vegetal, eficiente processo de ciclagem de nutrientes, aumento da diversidade de inimigos naturais, aumento de polinizadores, aumento de organismos no solo, presença da fauna silvestre no sistema, produção local de grande quantidade de materiais orgânicos para o solo, melhoramento na infiltração de água no solo, manutenção da umidade do solo por mais tempo, supressão da erosão do solo, recuperação de nascentes, recuperação da fertilidade do solo, aumento da matéria orgânica do solo, supressão de uso de adubos químicos sintéticos, supressão do uso de agrotóxicos, produção de alimentos diversificados sem resíduos químicos. Outro benefício foi a manutenção da família no campo com qualidade de vida, com acesso a alimentos diversificados e saudáveis ao longo de todo o ano.

“Por se tratar de um sistema autossuficiente e que reúne uma ampla diversidade de árvores, arbustos e plantas herbáceas, associadas à agregação de renda ao produtor e contribuir com o meio ambiente torna-se vital sua adoção em muitos países”, afirma o professor da Universidade de Turrialba, da Costa Rica, Elias de Melo Virginio Filho. Ele tem vasta experiência em sistemas agroflorestais de bases agroecológicas nas Américas Central e do Sul. A implantação bem-sucedida dos SAFs requer um tripé interdisciplinar e cooperativo composto por pesquisa, ensino e assistência técnica rural qualificada. Esses sistemas são como pontes que possibilitam a conservação ambiental e a produção agrícola numa mesma área”, afirma Virgínio.

Essa tecnologia social é flexível e plenamente ajustável, o que a torna versátil ao produtor, de acordo com o pesquisador Padovan. “Isso facilita a adoção da tecnologia, pois o agricultor poderá implantar arranjos produtivos de acordo com as necessidades e aptidões produtivas da própria família e da região onde a propriedade se localiza. Facilita o manejo que será feito de acordo com a necessidade e a disponibilidade de mão de obra da família para o trabalho e o resultado produtivo esperado com o SAF”, explica Padovan.

Agroecol 2016

Esse assunto foi destaque durante uma das mesas-redondas do Agroecol 2016, intitulada “Sistemas Agroflorestais: produção de alimentos, geração de renda e restauração ambiental”. O evento foi realizado em novembro de 2016, em Dourados (MS). O evento foi promovido pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Embrapa Agropecuária Oeste, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de Mato Grosso do Sul (Agraer). A Sociedade Científica Latino Americana de Agroecologia (SOCLA), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA Agroecologia), Fórum Brasileiro de Educação do Campo (Fonec), Comissão Estadual de Produção Orgânica de Mato Grosso do Sul (CPorg-MS) e Sociedade Brasileira de Sistemas Agroflorestais (SBSAFs).

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